terça-feira, 16 de julho de 2013

Entrevista com Raphael Lopes


Raphael Lopes
São Paulo - Brasil 

Raphael Lopes é professor, palestrante e bailarino de Odissi. Também é Massoterapeuta formado no Senac em 2004.Nascido no dia 23 de agosto, este peculiar virginiano define-se assim em seu perfil de uma rede social:


"...Sou alguém vivendo a vida de forma caoticamente rotineira...
Tenho meus amigos, meus desejos, e minhas excentricidades e elas falam por mim, e me definem melhor do que qualquer racionalização virtual.
Amo arte, danço dança clássica indiana, e sou um leitor inveterado.
Admiro o pensamento elevado, o carater forjado, e a grandeza da alma. Em qualquer credo - máscara, porque posso ver através delas.
Prezo a gentileza, a um bom cerimonialismo mesmo num café da tarde, a frases e argumentos sedutores e bem formulados, e não consigo viver sem uma dose de humor refinado.
Sou simpático e anti-social, preciso do silêncio e do conforto da minha casa.
Ah, dizem que sou bom conselheiro, e sei ouvir atentamente.
Sou alguém apaixonado por tudo aquilo que faço, e aliás, não faço nada que não me apaixone..."




Entrevista feita para o blog Dançarinos de São Vicente.

Dançarinos de SV: Quando surgiu a dança na sua vida, como foi e há quanto tempo faz?
Raphael: Chega a ser clichê mas é impossível não dizer o que todos os dançarinos dizem: a dança surgiu desde sempre em minha vida! Sempre gostei muito de me apresentar nas festas escolares, e desde criança gostava de montar coreografias próprias paras as músicas que ouvia. Quando vim de São Paulo com quinze anos para São Vicente comecei a fazer as oficinas culturais da Prefeitura de SV (em 2000), em partes porque certamente seria um ambiente para fazer amigos já que tinha acabado de chegar de outra cidade, mas principalmente porque ansiava participar de algum grupo em atividade.

Dançarinos de SV: Você conheceu a Dança Clássica Indiana através de quem?
Raphael: Uma amiga minha de Santa Catarina (dançarina de Raks el Shark) havia visto uma performance de Bharata  Natyam (estilo clássico do Sul da Índia) com a famosa esposa do físico indiano Amit Goswami, a psicóloga Uma Krishnamurti. Ela, sempre tão crítica, me descreveu

entusiasmada sobre o que havia visto, e eu então comecei a pesquisar por conta. Na época a internet era um veículo pouco popular e útil para esse segmento em específico, e me lembro de vasculhar bibliotecas em busca de referências sobre dança indiana, o que era quase impossível haja visto a quase total falta de publicações nacionais sobre o tema. Em 2005, conheci a bailarina Silvana Duarte e pude fazer seu curso de Formação Teórica e Embasamento Técnico do Estilo Odissi. Desde então não parei mais de buscar informações e contatos que enriqueçam meu know-how.

Dançarinos de SV: Você teve contato com outras modalidades. Pode nos falar um pouco sobre elas e no que isso contribuiu na construção da sua carreira?

Raphael: Sim, comecei com as oficinas de street dance da SECULT. Na época entrei primeiramente para a cia de dança do Douglas Rebelo (Fator Funk) seguindo para a cia do Alessandro Cardoso (Atmosfera). Na época pude realizar meu sonho recém chegado da capital em conhecer novos amigos (alguns os quais mantenho contato até hoje), e de viajar para algumas cidades para me apresentar. Em 2002 tive contato com o Holokahana Dance, onde tive minhas primeiras incursões fora do street dance.
Na mesma época comecei a conhecer outros estilos além da dança tahitiana como o dabke e o flamenco. Todas essas influências ficaram visíveis quando criei minha própria companhia de dança, que se chamava Ágora (as antigas praças Gregas) e mesclava em meu trabalho todos os estilos de dança pelos quais transitei. Em partes sofri muita influência do meu primeiro coreógrafo Douglas Rebelo, e mantive sempre muito forte o seu estilo em manter um conceito cênico sempre em evidência. Nessa mesma época tive a oportunidade de fazer aulas no Ballet Valderez, e conheci o estilo Afro na cia de dança Dinastia, onde tive a oportunidade de ser convidado para montar uma coreografia de street dance num momento onde esse estilo sofria sua grande revolução do old school para o new school. Daí em diante, me foquei unicamente na dança clássica Odissi. Posso afirmar que esse é o meu estilo, mas guardo com carinho todas as minhas histórias com os outros estilos que pude dançar.





Dançarinos de SV: Raphael, sabemos que na nossa região a Dança Clássica Indiana ainda é pouco conhecida, apesar de ser uma modalidade bem antiga. Em sua opinião o que falta para aumentar a divulgação nesta modalidade?
Raphael:  A dança Odissi possui uma cárater cultural e espiritual muito forte, não tem caráter apelativo e necessita ser apreciada como uma refinada obra de arte. Somos muito poucos bailarinos de danças clássicas indianas no Brasil, e estamos aos poucos introduzindo essa dança milenar para o público em geral. Em partes, normalmente irá se interessar por essa modalidade apenas aqueles já vinculados ou curiosos com a cultura oriental. Agora compete a cada bailarino saber difundir sua arte, e acima de tudo saber explicar e esclarecer sobre a mesma.

Dançarinos de SV: Você fez aulas aonde e quais foram seus professores?
Raphael: Iniciei meus estudos com a bailarina Silvana Duarte, seguidos por três anos de estudos com Andrea Prior no Espaço Rasa – ambas na capital. Retomei mais um ano de estudos com Silvana Duarte, e tive aulas com a professora Andrea Albergaria em Atibaia. Em 2012 tive a oportunidade de estudar na conceituada escola Rudraksha Foundation em Bhubaneswar (Orissa – Índia), diretamente com o Guru Bichitrananda Swain – renomado coreógrafo e bailarino com quase 40 anos de carreira.

Dançarinos de SV: O que mais te fascina na Dança Clássica Indiana?

Raphael:  A riqueza de detalhes e a busca insaciável pela beleza transcendental. É uma dança com pelo menos dois mil anos de tradição, com um corpo de conhecimento profundo, que é interconectada com a mitologia e com a literatura hinduísta. A formação total nessa dança envolve uma imersão na cultura hindu, que sempre me fascinou.


Dançarinos de SV: Com a novela Caminho das Índias que passou na Rede Globo as pessoas puderam conhecer um pouco mais sobre o universo da dança desse povo tão místico. Mas, os estilos apresentados na novela eram mais populares. Você pode nos esclarecer um pouco sobre os diferentes estilos de Dança Indiana?
Raphael:  A novela infelizmente foi um desserviço a dança clássica indiana. Nada contra as danças populares, mas o modismo gerado com a novela permitiu que pessoas sem o devido cuidado e respeito iniciassem a copiar vídeos do youtube ou mesclar de forma errônea danças clássicas em suas coreografias. Em partes a moda passou e com isso o número de aproveitadores reduziu drasticamente, mas as ditas danças modernas recheadas com tentativas efusivas de executar movimentos clássicos ainda aparecem. A famosa indústria de filmes Bollywood popularizou em todo o mundo a dança Bhangra, o Kathak, e a Kalbelya. Só que esses estilos não podem ser entendidos como Bollywood, são totalmente diferente entre si sendo o Kathak também um estilo clássico. Esses erros infelizmente são perpetuados pelos ditos dançarinos modernos, que normalmente rotulam o clássico de chato ou sonoramente desagradável ao ouvido ocidental. Ouso dizer que se somos poucos bailarinos clássicos no Brasil, são ainda menos os autênticos dançarinos da dita dança indiana de Bollywood.

Dançarinos de SV: Por que você optou pela clássica?
Raphael: Depois de muitos anos como um dançarino performático, e ao iniciar meus estudos em massoterapia, metafísica e filosofia oriental passei a me preocupar por um meticuloso e acurado aprofundamento em tudo o que passei a fazer. Sem contar que a dança clássica é uma fonte perene de informação, através da qual pude amadurecer como ser humano.

Dançarinos de SV: Como a sua família e amigos enxergam seu trabalho? Você sempre teve apoio, ou enfrentou preconceitos com a sua profissão?

Raphael:  De início minha família estranhou muito minha  súbita paixão pela dança, já que fui um menino tímido e inteligente com um provável futuro acadêmico. Na medida em que os anos passaram, e eles viam que a dança não me trazia retorno financeiro o desinteresse deles por minha carreira ficou ainda mais embasado. E pra piorar, estudar dança clássica indiana exige um certo desprendimento financeiro (rsrs). Hoje vivendo com o Vinícius há quase cinco anos, encontrei nele um amigo a confiar e incentivar minha carreira. Inclusive cheguei a gastar quase todo o meu salário mensalmente com as minhas aulas, e isso só foi possível graças à compreensão dele.
Minha família só entendeu realmente que eu ia viajar para Índia para dançar prestes a subir no avião rsrs.... No meu caso, uma formação real em Odissi só é possível fora do país. E bancar uma viagem dessa anualmente só é possível com muita administração familiar e o apoio de casa.



Dançarinos de SV: O que você mais deseja realizar hoje na Dança Clássica Indiana?
Raphael: Gosto muito de lecionar. Gosto de conversar e compartilhar meus conhecimentos em aula, como professor meu maior sonho é ter alunos interessados e dedicados. Com minha viagem tive a oportunidade de me tornar representante do meu Guru aqui no Brasil, e estou programando uma turnê pela América Latina com ele em breve. Também desejo me apresentar no Festival Internacional de Odissi, e estou me programando para isso no ano que vêm.  Quero muito poder levar a dança a muitos e muitos palcos, levar o Odissi ao coração das pessoas.

Dançarinos de SV: Como a sociedade pode contribuir com isso?
Raphael: A sociedade precisa valorizar e estar presente nas atividades artísticas. É triste ver que a maioria dos festivais de dança possui em sua plateia apenas os parentes e amigos mais próximos dos bailarinos. Quando o interesse geral aumentar pela dança, um maior número de apresentações se fará possível. Ao mesmo tempo o bailarino precisa ser respeitado como profissional, receber pelo seu trabalho, e isso se faz apenas se a sociedade consumir Arte.





 Dançarinos de SV: Para concluirmos, deixe uma mensagem para  todos os amantes da dança:
 Raphael: Busque ser o melhor sempre, não melhor do que o outro mas sempre o melhor que você pode ser e dar de si mesmo. Aprendam a respeitar o trabalho do outro bailarino, e saibam prestigiar e consumir arte. Deixe a crítica ácida e o comentário maledicente, e simplesmente faça o melhor ao invés de julgar o outro. Ensaie como se estivesse sempre em cena, e dedique-se sempre a execução perfeita do movimento. E lembre-se sempre de sentir intensamente o palco, pois não há nada como a sensação de dançar!!!






Konarak Temple - Índia Abril 2012
Rudraksha Foundation - Índia Março 2012

 Adi Templo ISKCON - SP Maio 2012
                                                        

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