Inspiração ou Cópia?
Por Gabriela Miranda
Por Gabriela Miranda
Quando
eu comecei a dançar Tribal, queria ser igual a Rachel Brice. Ela era a
principal, talvez a única referência de Tribal Fusion mais levada a sério aqui
no Brasil quando comecei, e eu queria muito ser igualzinha a ela. Antes dela,
havia a Ariellah, a primeira bailarina de Fusion que vi dançar e que mudou
minha vida na dança. Mas eu não me atrevia a pensar que chegaria um dia a ser
expressiva como essa bailarina. Mas eu achava que poderia treinar a técnica até
morrer e talvez chegar perto do dedão do pé da Rachel, se eu treinasse muito,
muito, muito mesmo. Pelo menos eu tinha consciência que era preciso muito
estudo e treino até para ser igual a alguém.
A
medida que fui amadurecendo na dança, eu fui me lembrando de como era na Dança
do Ventre... Do quanto eu quis ser a minha professora Rose, depois a Fátima
Fontes, depois a Saida... E do quanto eu falhei miseravelmente nessas “missões”
porque, no final das contas, era sempre EU que subia no palco e dançava com
todos os meus defeitos e uma ou duas qualidades.
Quando
mergulhei no Tribal de vez, eu entendi que um dos conceitos principais dessa
dança era justamente explorar os aspectos da SUA PERSONALIDADE, as características
que compõem quem você é, e parece que tudo finalmente fez sentido dentro de
mim. Mais do que dançar para me divertir,
eu tinha coisas a dizer com a minha
Arte, com a minha dança, e finalmente eu tinha achado uma ferramente que
atendia à minha demanda pessoal que até então nem eu entendia direito. Depois
disso, ficou cada vez mais fácil desenvolver o meu estilo pessoal, mesclando
coisas que me inspiram, me completam, me compõem e me expõem também. Tenho
filas de conceitos a serem desenvolvidos, não danço o suficiente para mostrar
tudo que quero dizer... Mas parece que isso não acontece para todas as
bailarinas.
Sempre
reparei com incômodo o quanto as bailarinas referências são copiadas mundo a
fora, e isso é esperado por bailarinas iniciantes que procuram desesperadamente
algo ou alguém em quem se espelhar (vide minha história do início, certo?), mas
o que dizer de bailarinas profissionais que nunca ou quase nunca desenvolvem um
trabalho autoral? Bailarinas que copiam passos, figurinos e, mais que isso, CONCEITOS
de performances, e que muitas vezes nem sequer sabem o sentido ou significado
que existe para a bailarina que criou o que foi copiado.
Bom,
eu gostaria de refletir um pouquinho sobre o porquê disso acontecer. Eu não sou
psicóloga nem nada, apesar de ter sim feito a faculdade de Psicologia, mas aqui
estou falando como público, como expectadora e também como bailarina que sabe
muito bem o que é se inspirar em outras bailarinas.
A
minha pergunta inicial é: Por que copiar se você pode criar?
Em
parte eu acho que isso acontece, primeiro, por INSEGURANÇA. Falta de
auto-confiança meeeesmo. “O que vão pensar desse conceito que desenvolvi? E se
acharem meus passos autorais feios? E se esse figurino for diferente demais? E
se essa música não tiver nada a ver com o Tribal?”. O medo do julgamento alheio
pode ser paralisante, é claro. Todas nós que subimos no palco sabemos disso,
conhecemos bem o sentimento de ser julgada e avaliada. Ok, eu entendo.
Outro
ponto que acho é a FALTA DE AUTO-CONHECIMENTO: como posso expressar o meu
interior se nem eu mesma o conheço? Como posso dizer para o público o que eu
sinto, o que vai dentro de mim, se eu não parei para experimentar, sentir,
entender? Me conhecer?
E
por último, acredito que exista muita PREGUIÇA MENTAL. É mais fácil pegar
passos prontos, figurinos que já são lindos sem eu ter que e esforçar e
conceitos que já foram aprovados pelo público do que eu ter que colocar minha
cachola para funcionar e torrar alguns (vários) neurônios nesse processo sem
nem saber se vai dar certo.
Mas
o que eu quero dizer com tudo isso é: NÃO. Reproduzir trabalhos alheios NÃO É
LEGAL, e, para mim, NÃO É FAZER ARTE. A Arte é um resultado externo de um
processo interno. Ela vem de dentro, ou deveria vir! Como disse C.G. Jung "Arte é a expressão mais pura que há para a
demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão, é
sensibilidade, criatividade, é vida" (Jung, 1920). Se a Arte é a demonstração do inconsciente de cada um, como
você espera fazer Arte copiando o que veio do reflexo do inconsciente do outro?
Se não se tratar de algum arquétipo do inconsciente coletivo, isso não faz
sentido nenhum para ninguém.
Vendo fotos e vídeos de bailarinas copiando conceitos da Zoe Jakes em
profusão (se ela ganhasse pelos direitos dos seus solos e músicas estaria
milionária), eu me pergunto: O QUE SEPARA INSPIRAÇÃO DE CÓPIA?
Bom, a minha resposta para mim mesma é: a Inspiração te inspira (dã) a
criar algo novo, completamente seu, mas que foi plantado a partir da semente do
outro que te inspirou. E a cópia é uma reprodução do que já foi feito, como um
deja vu ou o DVD pirata. Desculpem, mas acho que isso sintetiza bem! O DVD
pirata NUNCA terá a mesma qualidade do filme original. Pode ter uma boa
qualidade, imagem interessante, mas você sabe que não é o original e o público
que assiste também. Você percebe nos detalhes.
E mais, o que faz alguém que copia pensar que a pessoa copiada não vai
saber e, que se souber, não vai se chatear? Me lembro de um post da Tempest no
facebook que me deu vontade de compartilhar e copiar um milhão de vezes de
tanto que concordo, e ele dizia assim:
“So, a new(ish) page in thinking today...for years, my designs and other tangible key ideas have been imitated, knocked-off, copied up one way and down the other, usually without a smidge of credit. And I just move on to the next thing, because, well, that's what I do - come up with more ideas, and not dwell on it, because that state is exhausting (sorry, but "imitation is the highest form of flattery" - BS! especially when it comes to making a living at your work - the highest form of flattery to me is being told "you've inspired me to do my own unique thing!") - but today I thought.. screw that - no reason to leave behind something because others are doing it (gah, sounds hipsterish), instead...just reclaim it, and do it bigger, better, and with my own finesse. Cause it comes down to this - you either climb your own mountain, or you're in my dust behind me. And the latter just ain't pretty.”
“So, a new(ish) page in thinking today...for years, my designs and other tangible key ideas have been imitated, knocked-off, copied up one way and down the other, usually without a smidge of credit. And I just move on to the next thing, because, well, that's what I do - come up with more ideas, and not dwell on it, because that state is exhausting (sorry, but "imitation is the highest form of flattery" - BS! especially when it comes to making a living at your work - the highest form of flattery to me is being told "you've inspired me to do my own unique thing!") - but today I thought.. screw that - no reason to leave behind something because others are doing it (gah, sounds hipsterish), instead...just reclaim it, and do it bigger, better, and with my own finesse. Cause it comes down to this - you either climb your own mountain, or you're in my dust behind me. And the latter just ain't pretty.”
Em tradução literal feita por mim:
“Então, uma nova página (nem tão nova) na minha forma de pensar, hoje... Por anos meus designers e outras ideias-chaves tangíveis têm sido imitadas, pirateadas, copiadas de todas as formas possíveis, normalmente sem o mínimo de crédito dado a mim. E eu mudava para a próxima coisa que queria fazer, porque isso é exaustivo (desculpe, mas dizer que “a cópia é a forma mais elevada de lisonja” é besteira! Especialmente quando você ganha a vida com esse trabalho – a forma mais elevada de lisonja para mim é me dizerem “VOCÊ ME INSPIROU A FAZER A MINHA PRÓPRIA CRIAÇÃO ORIGINAL!”) - mas hoje eu pensei... Que se dane – não há nenhuma razão para abandonar algo porque outras pessoas também estão fazendo (gah, isso soa meio hipster), ao invés disso... Eu vou reclamar as minhas coisas, fazer maior, melhor, e com a minha própria finesse. Porque chegou nesse ponto – ou você sobe a sua própria montanha, ou você ficará na poeira atrás de mim. E o último nunca é o mais bonito.”
Laura Tempest
Para quem não sabe, a Tempest foi uma das pioneiras, se não a primeira,
bailarina a fusionar a estética da subcultura Gótica com a Dança do Ventre.
Muito dos figurinos que usamos, das músicas que dançamos e dos passos que
utilizamos veio dela também. Mas tudo foi tão copiado, rodado, que pouco
crédito chega até ela.
Isso me fez parar para pensar.
Temos visto danças, figurinos e conceitos “Frankenstein” (uma parte
tirada de cada bailarina tida como referência) e ficamos caladas. Eu não estou
falando de bailarinas iniciantes, falo de profissionais que copiam na cara
dura, como eu já falei antes! Eu não consigo, eu não aguento ficar quieta. Eu
me pergunto: o seu interior é realmente tão vazio, tão árido, a ponto de você
não ter absolutamente NADA autoral para mostrar? Ou é apenas medo de se expor e
cair do pedestal?
Eu tento manter na cabeça que não adianta trabalhar um lado e perder o
outro. A técnica na dança é essencial, ainda mais para quem quer se
profissionalizar, mas não vamos por favor esquecer o nosso lado artístico,
humano, sensível, único, especial...
Ando cansada de ver mais do mesmo e penso que não estou sozinha. Sento
nas cadeiras dos júris de Tribal em concursos e me decepciono ao ver profusões
de Rachel e Zoes piratas. Minha mãe sempre me disse “Que bom que as pessoas são
diferentes entre si! Já pensou que chato seria o mundo se todos só gostassem de
amarelo? Tudo ia ser amarelo, todo mundo só ia usar amarelo, todos os prédios
iam ser amarelos...” Ok, mãe. Eu entendi. E quando achamos um estilo de dança
que nos permite criar, nos permite errar, nos permite sermos NÓS MESMAS, o que
fazemos? Queremos ser outras pessoas.
Mas sabe, podem me chamar de sonhadora... Porque eu ainda tenho
esperanças de ver mais Marias, Camilas, Eduardos, Anas dançando seus próprios
conceitos por aí, num futuro próximo.
Bom, é claro, isso depende de nós, bailarinas(os). Então meninas e
meninos, que tal tentarmos lidar com os nossos medos e inseguranças, trabalhar
a nossa auto-estima, para conseguirmos levar performances autorais ao palco?
Que tal darmos um mergulho no nosso interior e pensar sobre o que realmente nos
inspira, nos faz vibrar, no que nos compõe, no que temos a dizer? Que tal um
pouco de auto-conhecimento? E que tal deixarmos a preguiça de lado e colocar o
cérebro para funcionar, para pensar, para criar com todo esse material que
temos dentro de nós, para pensarmos em músicas, conceitos, personagens,
significados, temas, objetos, figurinos, expressão e tudo o mais que compõem a
nossa dança?
Para encerrar, gostaria de deixar um desafio: eu desafio você,
bailarina(o), a pensar em um conceito que NUNCA foi usado (até onde você sabe,
é claro) e elaborar algo em cima dele para você mesma(o). Você não precisa
subir no palco com ele, não precisa fazer um figurino (mas pensar em um seria
bom). Eu só quero que você pense, use mesmo a sua cabeça, escolha uma música,
use alguns passos conhecidos, mas se permita criar alguns passos seus. Se
permita criar, se permita ser, se permita ERRAR e aprender com os seus erros. O
cartunista Scott Adams disse “Criatividade é permitir a si mesmo cometer
erros. Arte é saber quais erros manter.” Pense nisso. Aprenda com os seus
erros! Pegar coisas dos outros que já fizeram aquilo dar certo é... errado. Ok,
esse erro a maioria de nós já cometemos. Agora vamos desapegar! Se permita
errar, se permita crescer, se permita ir em frente e evoluir a sua forma de
pensar a Arte e a Dança. Não tenha medo, errar é humano.
Ou será que nos fim das contas, matamos as nossas criações antes mesmo
delas nascerem por puro medo de tentar?
sou total e a favor dessa auto descoberta de cada uma de nós que dança... não sei se foi por conta da minha primeira prof de dança a Maira Mattar, mas eu sempre busquei deixei vir algo só meu... deixar o inconsciente vir... acho que estudar é super necessário para a técnica, mas o grande barato é essa descoberta de si... no que chamo de processo maiêutico... de descobrir uma verdade que sempre esteve lá, mas que nunca se havia dado conta... professoras são facilitadoras...bailarinas são inspiração.. mas a dança deve ser de cada uma... adoro isso ! poderia falar horas sobre isso...o que me lembra Vygotsky ... ai ai...
ResponderExcluirAssino em baixo
ResponderExcluirGostei.. muito reflexivo, inclusive para mim... eu apoio !!!
ResponderExcluirJa faz um tempo que venho mudando meus conceitos e me desligando aos poucos dos referenciais. batalhando para tentar algo totalmente autêntico.... não é fácil mesmo, mas se torna amor de pai quando esse "filho" nasce e leva seu nome. Vale a pena !!!
Tenho sempre um pensamento comigo: "... quando a pessoa te copia, sendo amigo, conhecido ou próximo, fatalmente deixará sua máscara cair... haverá o desligamento e por fim a fonte secará uma hora e obrigará a pessoa a criar sozinha algo para continuar ou infelizmente encontrar outra "vítima" para sugar...... mas o importante é que a fonte somos nós mesmo e só secará quando quisermos... a inspiração pode ser infinita !..."
É revoltante, mas por sorte temos grandes aliados e profissionais sérios que sabem valorizar algo bom ........ vou rezando aqui para a "peneira" ser rigorosa .. capim cresce rápido mas não possui raiz forte .
Obrigado por mas uma interessantíssima pauta. Bjos a TODOS Luy Romero ^.^